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'Éramos da cidade que carrega o estigma da tragédia, e é para essa mesma cidade que voltaríamos independentemente da sentença'

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Só nos damos conta da história depois que o presente vira passado. Ser parte da história em construção, e ter de registrar um dos seus capítulos mais emblemáticos, exigiu de cada um que atuou na cobertura do júri do Caso Kiss uma responsabilidade sem precedentes. A ferida estava reaberta para marcar o fim de uma espera que já durava quase nove anos. Diferentemente de veículos de comunicação de qualquer lugar do mundo, éramos ali, entre as centenas de pessoas que acompanharam o julgamento no Foro Central I, em Porto Alegre, "pessoas de Santa Maria".

O que é corriqueiro na atividade jornalística ganhou contornos complexos: não eram meramente entrevistas, câmeras e microfones apontados diante do pranto de pais e mães que perderam os filhos ou diante do trauma latente dos sobreviventes. Éramos todos da cidade que carrega o estigma da tragédia, e é para essa mesma cidade que voltaríamos independentemente de qual fosse a sentença. Havia dor por todos os lados. Como já fizemos desde a madrugada de 27 de janeiro de 2013, continuaremos a fazer após o júri. Encontraremos muitos dos que convivemos por 10 dias dentro de um plenário pelas ruas da cidade, na fila do supermercado e, não raro, em lutas pessoais ou coletivas. Iremos deparar com familiares de vítimas e parentes dos réus, que também carregam suas agruras. 

É difícil dimensionar e adjetivar essa vivência. Emoção, exaustão, comprometimento, foco e respeito. Acima de tudo, respeito. 

Em uma espécie de anestesia, cada turno pareceu valer por vários dias. Enquanto atualizávamos as equipes que também trabalhavam freneticamente na redação, éramos referência de informação para outros colegas da imprensa de todo Brasil. Sentimos na pele o dilema ético e a linha tênue que separa profissão e vida pessoal.

Nesses dias, ao longo dos depoimentos, vi seguranças, advogados, trabalhadores da limpeza e jornalistas chorando, o que não fez ninguém menos profissional.

O maior julgamento do judiciário gaúcho, que deixou de fora agentes públicos, trouxe uma resposta materializada na condenação de quatro réus. O legado é: que nunca mais se repita!

Há mais para aprender do que para comemorar. A propósito, o anúncio da sentença coincide com o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Que não tenhamos de outra vez testemunhar ou publicar sequer uma linha sobre tragédias.

O coração do Rio Grande precisa retomar seu ritmo. Demos o melhor de nós, e como já foi mencionado, a cobertura do Caso Kiss não foi uma escolha, foi uma obrigação. E arrisco dizer que ninguém voltou para casa do mesmo jeito que saiu.

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